Inteligência Artificial (AI) e os direitos humanos


A imagem acima nos mostra uma realidade, o planeta Terra e todos os seus seres vivos viraram dígitos.

Desde a primeira Revolução Industrial, no século XVIII, as relações humanas mudaram tragicamente; houve coisificação e instrumentalização da dignidade humana. Assim dizem, ou melhor, estão nos livros nos livros sobre Direito. Direito constitucional, direito civil, direito trabalhista, não importa, sempre houve instrumentalização e coisificação da dignidade humana, muito antes da Revolução Industrial do século XVIII.

Contudo temos que verificar que essa relação de coisificação é instrumentalização da dignidade humana durante a Revolução Industrial do século XVIII foi numa relação entre a mesma etnia, no caso, a inglesa. Pela história humana, a objetificação da dignidade humana é muito anterior a primeira Revolução Industrial, pois se baseava entre etnias dominantes e etnias escravizadas. Percebemos isto, por exemplo, na Grécia Antiga quando a escravidão era considerada direito natural e lei natural pelo filósofo Aristóteles.

Aristóteles observa que nos princípios da pólis ateniense o regime era oligárquico e os pobres tornavam-se escravos dos ricos. O motivo apontado por ele, para a condição em que os pobres se encontravam, eram as dívidas contraídas por eles. As prestações dos arrendamentos e os empréstimos incidiam sobre suas pessoas, esposas e filhos de tal forma que se não fossem quitadas poderiam ser tomados como escravos.
Porém, não devemos nos enganar quanto aos reais motivos que os colocavam nessa situação. Aristóteles mesmo aponta o núcleo do problema. A propriedade das terras concentrava-se nas mãos de uma minoria rica, obrigando a maioria mais pobre a se submeter aos mais ricos por meio de contratos de arrendamentos e empréstimos para poderem viver. Era essa situação de dependência que os levava ao endividamento. A concentração da propriedade da terra nas mãos da aristocracia era a causa da situação aflitiva.
Mas, segundo Aristóteles, as queixas do povo não paravam por aí. Havia descontentamento também em relação ao direito de participação política na condução dos negócios da cidade, pois os principais cargos públicos e o conselho, principal instância decisória nos primórdios de Atenas arcaica, eram ocupados pelo critério da nobreza e da riqueza.
Outra questão importante associada a esse cenário de crises foi o aumento demográfico. O crescimento da população gerou pressões sociais que não podiam ser solucionadas nos quadros tradicionais da sociedade arcaica.
Em uma região cujas terras cultiváveis não são abundantes, torna-se difícil sustentar uma crescente população, principalmente para os pequenos proprietários, que não ocupavam as melhores terras e sustentavam-se com seus poucos recursos. A eles restavam os empréstimos, os arrendamentos e, muitas vezes como consequência, a escravidão. ( 1)

Ao dizer "o planeta Terra e todos os seus seres vivos viraram dígitos", a espécie humana sempre foi "número"; se pensarmos bem, podemos afirmar, conjuntamente, sem nenhum problema, que o ser humano é número a partir do momento que se dimensiona o valor do ser humano pelo "custo-benefício".

Os benefícios do câncer de pulmão

"A Philip Morris, uma companhia de tabaco, tem ampla atuação na República Tcheca, onde o tabagismo continua popular e socialmente aceitável. Preocupado com os crescentes custos dos cuidados médicos em consequência do fumo, o governo tcheco pensou, recentemente, em aumentar a taxação sobre o cigarro. Na esperança de conter o aumento dos impostos, a Philip Morris encomendou uma análise do custo-benefício dos efeitos do tabagismo no orçamento do país. O estudo descobriu que o governo efetivamente lucra mais do que perde com o consumo de cigarros pela população. O motivo: embora os fumantes, em vida, imponham altos custos médicos ao orçamento, eles morrem cedo e, assim, poupam o governo de consideráveis somas em tratamentos de saúde, pensões e abrigo para os idosos. De acordo com o estudo, uma vez levados em conta os 'efeitos positivos' do tabagismo — incluindo a receita com os impostos e a economia com a morte prematura dos fumantes —, o lucro líquido para o tesouro é de 147 milhões de dólares por ano. A análise de custo e benefício foi um desastre de relações públicas para a Philip Morris. 'Companhias de tabaco costumavam negar que o cigarro matasse', escreveu um comentarista. 'Agora, elas se gabam disso'. Um grupo antitabagista publicou matérias pagas em jornais mostrando o pé de um cadáver em um necrotério com a etiqueta 'US$ 1,227' presa ao dedo, representando a economia do governo tcheco com cada morte causada pelo cigarro. Diante do ultraje público e ridicularizado, o diretor executivo da Philip Morris se desculpou, reconhecendo que o estudo mostrava 'um desrespeito absolutamente inaceitável pelos valores humanos básicos'. Alguns diriam que o estudo da Philip Morris mostra o desatino moral da análise de custo e benefício e do pensamento utilitarista que sustenta. Encarar a morte por câncer de pulmão como um benefício final realmente mostra um inominável desrespeito pela vida humana. Qualquer diretriz moralmente defensável em relação ao tabagismo deveria considerar não apenas os efeitos fiscais, mas também as consequências para a saúde pública e para o bem-estar social." (SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015)

O custo-benefício sempre foi usado na espécie humana. Porém, para que o custo-benefício pudesse ser aplicado era preciso criar direito natural e lei natural capazes de dar margem à defesa do "custo-benefício". Geralmente, a palavra custo-benefício está relacionada somente aos cálculos matemáticos, como demonstrado no trecho sobre cigarro na obra de Michael J. Sandel.

Seja por ideologia econômica, política ou mesmo religiosa, o custo-benefício existe. O custo-benefício pode ser mascarado por reais intenções, os motivos são diversos. Sigmund Freud dizia que a espécie humana é indolente, ou seja, a espécie humana progrediu e sobrevive por forças externa e interna. A interna, os instintos; a externa, o meio ambiente. Por si mesmo, o ser humano é um ser desmotivado. A fome faz com que o ser humano procure alimentos; as intempérie, o abrigo; os relacionamentos amorosos, o instinto sexual. Existe um custo-benefício, inconsciente, nas relações humanas. Seja qual o motivo, a intenção é obter algo. É um sistema de dar e receber. Freud também considerou, no livro O Mal-estar na Civilização, que a civilização é um "mal necessário" para o controle dos instintos humanos. Também considerou que a própria civilização, com a moral rígida, é produtora de neuroses.

"Nossa civilização é em grande parte responsável pelas nossas desgraças. Seríamos muito mais felizes se abandonássemos e retornássemos às condições primitivas." (O pensamento Vivo de Freud. Coordenação Editorial Martin Claret. Pesquisa de Texto e Tradução José Geraldo Simões Jr. 1986)

Na obra de Adam Smith, A Riqueza das Nações, o custo-benefício nas relações comerciais. O fornecedor quer ganhar o preço, o consumidor quer o produto ou o serviço. O egoísmo e a ambição, não ganância, representam o custo-benefício nas relações consumerista. A "Mão Invisível", como um direito natural e lei natural, agiria para equilibrar e favorecer às relações comerciais. Um necessita, o outro tem, as negociações. Quanto mais liberdade econômica, os consumidores têm poder de barganha, decisão. Monopólios dificultam e impedem novas tecnologias, concorrências, diminuições dos preços aos consumidores e entre os próprios fornecedores nas aquisições de bens.

A própria escravidão teve um custo-benefício, os escravos negros tinham resistências à malária no Novo Continente, as Américas (HARARI, 2015). Logicamente, pelo custo-benefício, os negros eram economicamente mais atrativos para os escravocratas.

Também existe o custo-benefício na Justiça. Há de se limitar o uso dos danos morais para não banalizá-lo, isto é, não é tudo que é "danos moral", mas "simples dissabor". O problema é saber, realmente, o que seja "simples dissabor", "mero aborrecimento". Há um equilíbrio econômico pelo custo-benefício. Esse equilíbrio tem a ver com a permanência existencial dos fornecedores e com as indenizações aos consumidores. Por exemplo, única fábrica numa região. Antes da fábrica as condições de vida eram modestas, sem infraestruturas como água potável e canalizada, rede de esgoto, postos de saúde etc. A fábrica produz benefícios para a comunidade local. Ocorre que os danos ambientais existem. As multas ambientais não podem sobrecarregar os cofres da fábrica, pois pode ter a retirada da mesma. O Estado tentará negociar, de forma que a fábrica seja responsável, pague pelos danos ambientais e os danos morais coletivos, mas sempre de forma proporcional, o custo-benefício entre a permanência da fábrica ou a sua ausência. Para os moradores locais também há o custo-benefício. Se eles são necessários para trabalharem na fábrica. Não sendo, pois há mais trabalhadores de outras regiões, os moradores ficarão doentes, a prefeitura terá mais gastos com saúde.

Atualmente, pelos direitos humanos, as empresas se preocupam — sempre se preocuparam — com suas imagens perante os consumidores. Existe um custo-benefício nas relações consumeristas entre fornecedores e consumidores. O Brasil é de tradição judaico-cristã. Os direitos humanos influenciam nas mudanças culturais. Dificilmente algum pai pensaria em vender sua própria filha como escrava, pois está na Escritura Sagrada. Mas poderia a filha ser vendida como escrava no Império Brasileiro se a filha fosse de escrava, ainda que o pai fosse o dono da escrava.

O próprio casamento é um custo-benefício:

O casamento está diretamente associado à ideia da Igreja, em específico da Igreja Católica Apostólica Romana. Até o final do séc. XI os casamentos eram somente arranjados pela família do noivo, com o objetivo da manutenção do poder e a consolidação de alianças econômicas, mantendo assim, os laços com famílias que tinham posses similares às suas, tendo em vista que quando os sangues das famílias se misturavam não se havia mais guerra entre os poderes, então o matrimônio cumpria a função de trazer a paz, além de aumentar as riquezas.
Foi com o Decreto de Graciano, obra sobre o direito canônico, que o consentimento ou a manifestação em casar com alguém passou a ser considerada uma condição para que o casamento fosse realizado. Mas as pessoas “normais” ainda estavam sujeitas às definições sociais, e isso ocorreu no Brasil até meados da década de 50. Na Europa medieval o casamento era muito usado como forma de manter alianças militares, os membros da nobreza casavam com o único intuito de firmar tratados para o bem da região. Lembrando que na época, o matrimônio era irrevogável. É somente a partir de 1670, que desfazer um casamento passou a ser considerado, isso poderia ser definido como o início do divórcio nas formas como temos hoje em dia. (RODRIGUES, 2017).
O modelo de família firmado no matrimônio é consagrado no Código Civil de 1916, que se baseava em valores patriarcais e diminuía o sujeito feminino. “A mulher perante o referido código é vista como incapaz (art. 6º), necessitando do consentimento do marido para exercer diversas atividades [...]. ” (GOULART, 2002, p. 18). A Constituição de 1934 passa a admitir o casamento religioso em outras religiões que não a católica, desde que dentro dos ditames da lei, mas mesmo casando no religioso o casal precisava fazer a união civil.

Socorrer ou não uma pessoa? Depende! Se aplicarmos a filosofia de Ayn Rand, ninguém é obrigado a socorrer ninguém, pelo simples fato de não querer. Essa filosofia é intrigante e cativante. Se, pela educação, dentro e fora do lar dos pais, os filhos aprenderam que não se deve socorrer alguma etnia, ou pessoas com sexualidade "pecaminosa" (LGBT+), por motivos religiosos, há o custo-benefício em socorrer. Os "normais" não devem socorrer os "anormais" sob pena e serem, mesmo sendo "normais", excluídos do meio social, ou mesmo marginalizados. Agora, pelos valor da vida humana, como um fim em si mesmo, todos devem socorrer quem necessita de socorro, independente de sexualidade, etnia etc. Na norma do Art. 135, do CP, o crime de omissão de socorro; nas normas dos Art. 176 e 177, do CTB, a obrigação de socorrer.

Por que, pelos direitos humanos, a vida é o bem maior? Não há custo-benefício? Se pensarmos no custo-benefício da escravidão, no custo-benefício, apresentado por Michael J. Sandel, no caso do "benefício do câncer de pulmão", os direitos humanos não possuem o custo-benefício. Os direitos humanos enquanto mito, pois, na realidade, os direitos humanos podem conter o custo-benefício. Vejamos. No Código Civil de 1916, caso aplicável na pandemia de 2020, hospitais privados poderiam não atender clientes inadimplentes, ou mesmo clientes cujos planos não preveem cuidados com clientes com Covid-19. Bom. Nenhum plano de saúde continha menção ao vírus da Covid-19. Poderiam os planos de saúde forçarem um novo contrato e cobrarem mais pelos serviços exigíveis para o tratamento do paciente-cliente da Covid-19. A judicialização da saúde tem equilibrado às relações consumeristas entre paciente-cliente e hospital particular. Cirurgia estética para retirada de excesso de pele após bariátrica. O excesso de pele, e entre as dobrinhas da pele, causa feridas. O plano não cobre, pois não está no contrato. Pela dignidade humana na judicialização da saúde, o plano deve cobrir. Claro, quando paciente-cliente não tem condições de arcar com os novos valores cobrados pelo plano de saúde.

Empresários, acionistas, enfim, também possuem proteções dos direitos humanos, não por serem empresários e acionistas, por serem também parte da espécie humana. No entanto, os direitos humanos ponderará sobre capital e vida humana. A vida que urge cuidados imediatos. Há um custo-benefício, sim, nos direitos humanos, mas não custo-benefício direcionado para o lucro. As indenizações por danos morais e estéticos, pela proteção dos direitos humanos, ainda assim existe o custo-benefício. O custo-benefício evitar o enriquecimento ilícito de maneira a prejudicar a outra parte. Parte esta não do mito empresarial, porém proteção dos seres humanos envolvidos nas atividades empresariais até a relação consumerista.

A Inteligência Artificial (IA), quando programada pelos direitos humanos, e é fácil comprovar isto pelo uso de qualquer aplicativo com IA, não dará uma resposta pronta sobre direito de propriedade, autonomia privada e dignidade humana. Por exemplo, como testei, a pergunta sobre o direito de propriedade, autonomia privada, de estabelecimento hospitalar, e a dignidade de paciente em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) inadimplente. A resposta da IA foi "Impossibilidade de dar resposta. Tudo depende de cada caso concreto e do julgador quanto aos respectivos direitos".

Ponderação, razoabilidade etc. Existe o cálculo-benefício, atualmente, pela vertente dos direitos humanos. Isso ocorreu na pandemia de 2020. Estado brasileiro, apesar de muitos protestos, ajudou famílias desprovidas do mínimo existencial. A ajuda do Estado com o auxílio-emergencial foi além da ajuda aos que já recebiam alguma ajuda do Estado. Houve um custo-benefício para ajudar brasileiros na condição de miserabilidade. Todavia, o auxílio-emergencial poderia ser muito maior, quanto ao valor, do que foi (R$ 600,00). Se a IA fosse aplicada na pandemia e mensurasse entre o valor das exportações do agronegócio na exportação e os preços internos dos alimentos para o povo brasileiro, qual seria a resposta da IA? Provavelmente "Impossibilidade de dar resposta. Tudo depende de cada caso concreto e do julgador quanto aos respectivos direitos".

A impossibilidade está na programação ou na programação que não deixa a IA "pensar" por ela mesma? A IA sondaria tudo na internet em relação ao Brasil, desde o salário mínimo, o teto máximo do funcionalismo público, os cargo público com remunerações muito além do piso salarial nacional mínimo. Computaria entre os tributos arrecadados, como os estes tributos são direcionados e aplicados pelo Estado brasileiro, quais brasileiros têm mais dignidade do que outros brasileiros em relação ao padrão de vida socioeconômica. A IA avaliaria os cargos e suas funções, as diferenças salariais entre gêneros, entre funcionários públicos e funcionários da iniciativa privada pelas suas respectivas meritocracias — conquistadas pessoais pelos berços familiares abastados, semiabastados ou miseráveis —, as desigualdades sociais históricas e os resultados destas desigualdades na atualidade e no porvir. Muito provavelmente, os arranjos sociais e econômicos iriam mudar, desde o piso salarial nacional, o teto remuneratório do funcionalismo público, as incidências de tributos para empresários e não empresários etc.

Se dois algoritmos criaram linguagens, de programação, sem que os próprios programadores soubessem de seus significados, a Inteligência Artificial (AI) e os direitos humanos, quais seriam as possíveis respostas pela liberdade da IA pelos direitos humanos?

Seria uma revolução no modo de pensar, pela IA, nas relações humanas. Falta saber quem dará o primeiro passo para este desafio, principalmente pela atualidade no orbe terráqueo.

NOTAS:

(1) — DEMOCRACIA E ESCRAVIDÃO NA GRÉCIA ANTIGA. Disponível em: Historia Antiga I novo.indd (ufs.br)

(2) — CASAMENTO DE CRIANÇAS NO BRASIL: UM DEBATE SOBRE CULTURAS E INFÂNCIAS. Disponível em: https://www.2019.sbece.com.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNDoiYToxOntzOjEwO...

REFERÊNCIAS:

Ética a Nicômaco. Aristóteles. Tradução: Pietro Nassetti . Obra-Prima de Cada Autor. MARTIN CLARET.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Trad. Janaína Marcoantonio. Porto Alegre: L&PM, 2015. 464p.

NASCIMENTO, Jefferson Luis Moreira. A “ESCRAVIDÃO” GREGA ANTIGA E A ESCRAVIDÃO NEGRA MODERNA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA À LUZ DAS QUATRO SIMILITUDES FOUCAULTIANAS. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/habitus/article/download/36719/20170

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