O século XXI e a institucionalização do fundamentalismo religioso

 O século XXI e a institucionalização do fundamentalismo religioso 

Padre Júlio, quem não conhece? Os vídeos e a imagens publicadas por ele são verdadeiros oásis de amor. E "amor" está presente na CRFB de 1988? A palavra "amor" possui vários significantes, veremos:

Dicionário Aurélio Século XXI:

(ô). [Do lat. amore.]
S. m.
1. Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa:
2. Sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro ser ou a uma coisa; devoção extrema:
3. Sentimento de afeto ditado por laços de família:
4. Sentimento terno ou ardente de uma pessoa por outra, e que engloba tb. atração física:
5. P. ext. Atração física e natural entre animais de sexos opostos:
6. Amor (4) passageiro e sem consequência; capricho:
7. Aventura amorosa; amores (3):
8. Adoração, veneração, culto: amor a Deus.
9. Afeição, amizade, carinho, simpatia, ternura.
10. Inclinação ou apego profundo a algum valor ou a alguma coisa que proporcione prazer; entusiasmo, paixão:
11. Muito cuidado; zelo, carinho:
12. O objeto do amor (1 a 9).
13. Mit. Cupido: & ~ V. amores.

"Sentimento de afeto ditado por laços de família". A CRFB de 1988 consagrou o principio da dignidade humana como núcleo basilar normativo. Entre norma e princípio, este prepondera. Em magnífica aclaração, a Ministra Fátima Nancy Andrighi (1) faz paralelo entre a CRFB de 1988 e legislação infraconstitucional sobre direito de família.

Segundo o art. 226 da Constituição Federal, a família, como “base da sociedade”, conta com “especial proteção do Estado”. Essa proteção especial é iluminada pelo valor maior previsto na Carta Magna - que sedimenta toda a estrutura de princípios, direitos e garantias fundamentais nela previstos -, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III)
É pertinente esta lição de Oscar Vilhena Vieira:
Constituição Brasileira estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos de nossa República, por intermédio de seu art. III. A expressão não volta mais a aparecer no texto como um direito subjetivo expressamente reconhecido. Talvez essa tenha sido uma posição sábia do nosso constituinte, pois a dignidade é multidimensional, estando associada a um grande conjunto de condições ligadas à existência humana, a começar pela própria vida, passando pela integridade física e psíquica, integridade moral, liberdade, condições materiais de bem-estar etc. [...] O princípio da dignidade, expressa no imperativo categórico, refere-se substantivamente à esfera de proteção da pessoa enquanto fim em si, e não como meio para a realização de objetivo de terceiros. A dignidade afasta os seres da condição de objetos à disposição de interesses alheios.

Notem. "Imperativo categórico", a influencia do pensamento de Immanuel Kant sobre a dignidade humana como um fim em si mesmo em oposição ao utilitarismo. Por século, no Brasil, imperou o modelo utilitarista de família heteronormativo, isto, é, o casamento somente era reconhecido pelo Estado (utilitarista) entre os gêneros masculino e feminino heterossexuais. Também houve profunda mudança sobre filhos fora do casamento. Com a prevalência da dignidade humana trazida pela CRFB de 1988, não há mais exclusões de filhos não gerados entre os cônjuges:

Determina o art. 227, § 6.º, da CF/1988 que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Complementando, o art. 1.596 do CC tem a mesma redação, consagrando ambos os dispositivos o princípio da igualdade entre filhos. Esses comandos legais regulamentam especificamente na ordem familiar a isonomia constitucional, ou igualdade em sentido amplo, constante do art. 5.º, caput, da CF/1988, um dos princípios do Direito Civil Constitucional.
Está superada antiga discriminação de filhos que constava no art. 332 do CC/1916, cuja lamentável redação era a seguinte: “O parentesco é legítimo, ou ilegítimo, segundo procede, ou não de casamento; natural, ou civil, conforme resultar de consanguinidade, ou adoção”. Esse dispositivo já havia sido revogado pela Lei 8.560/1992, que regulamentou a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.
Em suma, juridicamente, todos os filhos são iguais perante a lei, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange os filhos adotivos, os filhos socioafetivos e os havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais utilizar as odiosas expressões filho adulterino, filho incestuoso, filho ilegítimo, filho espúrio ou filho bastardo. Apenas para fins didáticos utiliza-se o termo filho havido fora do casamento, eis que, juridicamente, todos são iguais.

O matrimônio se baseia no amor e não numa ideologia de reprodução humana. "Filhos são iguais perante a lei" é uma conquista e, ao mesmo tempo, o pensar intimo sobre aventuras sexuais fora do casamento. Ou seja, o "bom marido" cometia adultério e nada acontecia. A mulher era punida. Novo entendimento, homens e mulheres podem cometer adultério. A infração penal para ambos. Não existe mais o crime de adultério. Isso quer dizer que não é obrigatório a fidelidade conjugal? Não. Não há crime, pena. Conduto danos morais pela falta de fidelidade entre os cônjuges.

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;

Podemos atribuir à palavra "amor" a empatia, isto é, o pensar em não fazer para não causar dor emocional. Assim, a fidelidade é uma condição do "amor". Amar é mais do que sentimentos; é também racional. Sendo a dignidade humana superior aos afetos — o afeto é afeição por alguém; não há afeição, por que querer bem a quem não tem feição? A dignidade humana, então, é o amor por outro ser humano, ainda que não tenha afeto por ela.

O Natal, quantos comemoraram? Sendo uma data religiosa no Brasil, a data possui o princípio do amor. Famílias se reúnem, sentem-se felizes. Antigas mágoas dão lugar ao breve momento de amor. O respeito, mesmo sem a afeição. No introito, a imagem do padre Júlio. Em suas mão um boneco, na cor preta, representando Jesus quando criança. As enxurradas de intolerâncias ao padre, por fundamentalistas religiosos, é a evidência de que tanto a dignidade humana quanto 0s próprios fundamentos religiosos e morais de Jesus Cristo não foram compreendidos. Existe simetria entre "Boas Novas" e os direitos humanos. Também entre Jesus, que andou com prostitutas, romanos etc., e os direitos humanos. Sem estes serem referências das "Boas Novas", e vice-versa, em essência, o princípio da dignidade humana.

Há cinco anos publiquei Exposição Queermuseu e liberdade de expressão. Depravação ou arte? A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Arte necessita da liberdade de expressão. E esta necessita de sair da "menoridade" (O que é o Iluminismo? Immanuel Kant). Não há justificativas plausíveis quando o assunto é a inclusão das minorias, ainda que a maioria não quer e não queira.

Divergências, sim. Racismo, jamais. E racismo é muito mais do que "brancos contra negros". Jesus viveu em temos de racismo estrutural de várias maneiras. Os tempos atuais também possuem racismos de várias maneiras tão visíveis como ocorreram na Segunda Guerra Mundial na Alemanha Nazista.

"Odiosas expressões filho adulterino, filho incestuoso, filho ilegítimo, filho espúrio ou filho bastardo", o racismo. Comprei imagem de Nossa Senhora para colocar num terreiro de Umbanda. Há crime de vilipêndio? é outro artigo sobre valores religiosos e dignidade. A dignidade dos religiosos de matriz africana encontram-se preservadas desde que os santos católicos substituem os deuses africanos. O contrário é aceitável. Seria "crime" ter deuses africanos nas Igrejas Católicas. Quanto à cor d epiderme de Jesus e sua representatividade étnica também pode ser considerado "vilipêndio" pelos evangélicos. A dignidade humana não elege fronteiras, etnia, sexo, sexualidade, gênero, posição socioeconômica, funcionário público ou não etc. Por isso, pela liberdade de expressão, como fomentadora dos debates racionais para a superação do racismo, de qualquer natureza, impossível pensar em preservação do tradicional quando a tradição, como de Jesus de etnia branca e superior, ainda gera racismo.

Leia também:

NOTA:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. UM OLHAR REVISIONISTA SOBRE A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DE FAMÍLIA. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Dout25anos/article/download/1103/1037

REFERÊNCIA:

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil : volume único / Flávio Tartuce. – 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

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